quarta-feira, 23 de maio de 2012




 



 

 
Posso Errar?
Por Leila Ferreira




Há pouco tempo fui obrigada a lavar meus cabelos com o xampu “errado”. Foi
num hotel, onde cheguei pouco antes de fazer uma palestra e, depois de ver
que tinha deixado meu xampu em casa, descobri que não havia farmácia nem
shopping num raio de 10 quilômetros. A única opção era usar o dois-em-um
(xampu com efeito condicionador) do kit do hotel. Opção? Maneira de dizer.
Meus cabelos, superoleosos, grudam só de ouvir a palavra “condicionador”.
Mas fui em frente. Apliquei o produto cautelosamente, enxaguei, fiz a escova
de praxe e... surpresa! Os cabelos ficaram soltos e brilhantes — tudo aquilo
que meus nove vidros de xampu “certo” que deixei em casa costumam prometer
para nem sempre cumprir. Foi aí que me dei conta do quanto a gente se
esforça para fazer a coisa certa, comprar o produto certo, usar a roupa
certa, dizer a coisa certa — e a pergunta que não quer calar é: certa pra
quem? Ou: certa por quê?

O homem certo, por exemplo: existe ficção maior do que essa? Minha amiga se
casou com um exemplar da espécie depois de namorá-lo sete anos. Levou um mês
para descobrir que estava com o marido errado. Ele foi “certo” até colocar a
aliança. O que faz surgir outra pergunta: certo até quando? Porque o certo
de hoje pode se transformar no equívoco monumental de amanhã.

 E as roupas? Quantos sábados você já passou num shopping procurando o
vestido certo e os sapatos certos para aquele casamento chiquérrimo e, na
hora de sair para a festa, você se olha no espelho e tem a sensação de que
está tudo errado? As vendedoras juraram que era a escolha perfeita, mas
talvez você se sentisse melhor com uma dose menor de perfeição. Eu mesma já
fui para várias festas me sentindo fantasiada. Estava com a roupa “certa”,
mas o que eu queria mesmo era ter ficado mais parecida comigo mesma, nem que
fosse para “errar”.

Outro dia fui dar uma bronca numa amiga que insiste em fumar, apesar dos
problemas de saúde, e ela me respondeu: “Eu sei que está errado, mas a gente
tem que fazer alguma coisa errada na vida, senão fica tudo muito sem graça.
O que eu queria mesmo era trair meu marido, mas isso eu não tenho coragem.
Então eu fumo”. Sem entrar no mérito da questão — da traição ou do cigarro
—, concordo que viver é, eventualmente, poder escorregar ou sair do tom. O
mundo está cheio de regras, que vão desde nosso guarda-roupa, passando por
cosméticos e dietas, até o que vamos dizer na entrevista de emprego, o vinho
que devemos pedir no restaurante, o desempenho sexual que nos torna
parceiros interessantes, o restaurante que está na moda, o celular que dá
status, a idade que devemos aparentar. Obedecer, ou acertar, sempre é fazer
um pacto com o óbvio, renunciar ao inesperado.

O filósofo Mario Sergio Cortella conta que muitas pessoas se surpreendem
quando constatam que ele não sabe dirigir e tem sempre alguém que pergunta:
“Como assim?! Você não dirige?!”. Com toda a calma, ele responde: “Não, eu
não dirijo. Também não boto ovo, não fabrico rádios — tem um punhado de
coisas que eu não faço”. Não temos que fazer tudo que esperam que a gente
faça nem acertar sempre no que fazemos. Como diz Sofia, agente de viagens
que adora questionar regras: “Não sou obrigada a gostar de comida japonesa,
nem a ter manequim 38 e, muito menos, a achar normal uma vida sem
carboidratos”. O certo ou o “certo” pode até ser bom. Mas às vezes merecemos
aposentar régua e compasso.



*Leila Ferreira* é jornalista, apresentadora de TV e autora do livro
Mulheres – Por que será que elas..., da Editora Globo

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